A cegueira
- Inês Afonso Sá
- 21 de fev. de 2021
- 15 min de leitura
Atualizado: 30 de mai. de 2021
1. Introdução
A razão que me levou a escolher este tema é o facto de querer propositadamente abordar temas que não se prendem diretamente com a atualidade mais mediática porque penso que são circunstanciais e cuja raiz desses mesmos temas é, na minha perspetiva, mais profunda.
Mais concretamente, o meu ensaio filosófico proporá reflexões sobre o tema: “Será cego quem não vê?” Partindo de uma pequena discussão sobre os conceitos de cegueira física (invisualidade) e cegueira interior, irei abordar problemas parcelares: Será a visão do mundo físico essencial para vermos melhor? O que é que os filósofos vêem que as pessoas não vêem? A cegueira será voluntária ou involuntária?
Simultaneamente, estabelecerei relações e comparações entre conceitos como justiça, verdade, ignorância, o bem comum, equidade e a ética, alicerçando-me em analogias, personagens históricas como Sidharta, e em filósofos como John Rawls ou Stuart Mill.
A estas e outras questões proponho-me a pensar, analisar e refletir, expondo as minhas considerações sobre a condição de cegueira, que é para mim um tema que pode estar, até, na origem de muitos dos problemas atuais.
Em suma, afetará a cegueira a nossa sociedade e o mundo que nos rodeia? Será mais cego quem não vê ou quem não quer ver?
2. Quadro de referência teórico
O que é a cegueira física (visual?) e a cegueira interior?
Primeiramente devemos diferenciar desde já o que significa cegueira física e cegueira interior.
A cegueira física é a perda total ou quase total da função de visão, sendo esta irreversível e impossível de corrigir com lentes ou cirurgias e que interfere com a vida diária. A este tipo de cegueira passarei doravante a referir-me neste trabalho como invisualidade.
A cegueira interior, apesar de também interferir com a vida diária é, no meu entender, mais profunda e debruça-se sobre o que nós não vemos; sobre o que temos à nossa frente, e que podemos ou não reconhecer e/ou apreender. A cegueira interior, prende-se então e na minha perspetiva com a relação entre o conhecimento (luz) e a ignorância (escuridão), e pode apresentar problemas ou questões no nosso quotidiano prático. É este conceito de cegueira que irei abordar ao longo do ensaio filosófico.
Assim será fácil perceber que um invisual poderá ver melhor que um cego. Ser invisual não impede que se saiba com o que se está a lidar. Pelo facto de não ver o mundo, o invisual pode ter os outros quatro sentidos mais apurados e por isso prestar maior atenção a outros aspetos da existência que podem permitir experienciar melhor o mundo que o rodeia. Não estou a afirmar que um invisual seja uma espécie de super-homem, porém, justamente por não ver o mundo físico, o invisual estará, por exemplo, muito mais atento ao que ouve, pois a audição é a sua maior fonte de conhecimento (luz). Ao ouvir atentamente, um invisual pode então ter a possibilidade de ver (no sentido filosófico do termo que abordarei mais tarde neste ensaio), e obter maior conhecimento do que uma pessoa não invisual que pode ser/tornar-se cega.
Assim, coloca-se a seguinte questão:
Será a visão do mundo exterior (físico) essencial para vermos melhor?
Aqui, torna-se necessário diferenciar o mundo interior e exterior como duas entidades autónomas, mas, no entanto, interligadas. O mundo exterior apresenta-se como o mundo visível e palpável, e o mundo interior como a forma como cada um experiencia e pensa, ou seja, a mente ou espírito individual.
Partindo do exemplo anterior em que um invisual poderá ver melhor do que alguém que não o é, eu considero que a visão do mundo exterior não é essencial apesar de acreditar que podemos obter dele uma visualização suficientemente importante, que nos transmite informação para pensar e refletir acerca de todas as questões humanas, sociais e pessoais, tais como a política, a discriminação, orientação sexual, beleza, arte, justiça, prostituição, a eutanásia, e muitos outros.
Na verdade, temos relatos ao longo da história de vários casos em que deliberadamente pessoas se isolaram do mundo exterior de modo a refletirem, pensarem e encontrarem uma paz interior e espiritual que lhes permitisse tornarem-se mais esclarecidas (ou seja, verem melhor). O budismo tibetano é, por exemplo, uma religião cujos monges se isolam, cerram os olhos e meditam para chegar ao conhecimento da nossa natureza interior mais profunda, que é sabedoria. De acordo com o budismo esta sabedoria adquirida permite-nos alcançar a felicidade imutável. Isto significa que podemos usar a sabedoria para nos libertarmos do sofrimento, uma vez que a(s) felicidade(s) mutável(eis) é (são) a raiz do sofrimento.
Na religião cristã, Jesus Cristo também se isolou do mundo dirigindo-se ao deserto. Este episódio é bastante interessante pois foi precisamente no momento que Jesus, ao querer estar só, pensativo, e distante do mundo físico, foi tentado por Satanás. O diabo tentou persuadi-Lo a governar o mundo com ele, tentando-o com todas as riquezas e glórias visíveis na Terra. Ou seja, parece que para Cristo o mundo exterior era sinónimo de perturbação. Após o confronto com o Diabo, Cristo, tendo recusado todas as ofertas esclareceu o seu caminho interior e assumiu definitivamente a sua missão na Terra.
Outro exemplo é Siddharta, príncipe indiano, que vivia num palácio, e cujo o mundo exterior lhe era negado. Vivia com todas as regalias da sua classe social. Sentiu, no entanto, a necessidade de ver o mundo exterior e nele viver para se enriquecer e aprender. No entanto, a certa altura da vida sentiu também a necessidade do isolamento e ficou bastante tempo sozinho a meditar debaixo de uma árvore. Não é claro que o mundo físico tenha sido para Siddharta perturbador ou enriquecedor para o seu desenvolvimento interior, mas o que me parece claro é que a simbiose entre o mundo exterior e interior foi essencial para ele.
Existem ainda muitas mais parábolas sobre eremitas, quer na cultura oriental, ocidental, africana ou árabe. Na atualidade, existe por exemplo uma série-documentário na plataforma Netflix “Resumindo” em que um dos episódios aborda o tema e técnica mindfulness (uma palavra em inglês para um método de meditação) informando acerca dos benefícios da mesma para a felicidade individual e coletiva.
No fundo estas parábolas/histórias/documentários são sempre baseadas no conceito de isolamento do mundo exterior e esclarecimento do mundo interior, o que me leva a pensar que tanto o isolamento como o mundo exterior são essenciais para vermos melhor. Ou seja, o isolamento talvez possa ser uma das razões para vermos e ficarmos esclarecidos, mas decerto que não é válido universalmente, até porque, muitas pessoas não se isolaram e ainda assim são pessoas muito esclarecidas. Qual será então o papel qualitativo do mundo exterior?
Será o mundo físico (exterior) perturbador ou enriquecedor para a nossa visão interior?
O mundo físico pode ser perturbador e causar distração ao esclarecimento individual (interior), mas também pode ser enriquecedor.
O mundo físico pode ser perturbador do autoconhecimento/esclarecimento interior pois pode, por exemplo, criar um entretenimento distrativo através dos telemóveis, dos programas da TV, redes sociais, chats, que maioritariamente preenchem o nosso tempo com informação mediática desnecessária e irrelevante para nos tornar pessoas mais cultas, sábias e ricas. Este tempo ocupado retira-nos o tempo para pensar e acima de tudo para pensar profundamente. Creio que o que importa reter aqui é reconhecer primeiro a existência destes elementos na sociedade e que os mesmos estão desenhados para nos distrair, entreter (não que isso também não possa ser bom em doses moderadas), e para dominar o nosso tempo diário. Desta forma, mesmo sendo perturbador ou negativo, o mundo físico exterior pode ser visto como uma aprendizagem, uma lição de vida, e fazer com que a pessoa que o reconhece decida melhorar-se a si próprio e consequentemente aa sociedade que o rodeia.
No entanto, o mundo físico pode também ser verdadeiramente enriquecedor e ajudar-nos a despertar e tornar-nos mais esclarecidos, seja através da experiência com a natureza, com o belo, na interação com pessoas e pessoas de culturas diferentes, ao conhecermos a história, ao apreciarmos a arte, lermos livros, e mesmo através de documentários, jornais, revistas com conteúdos acerca dos assuntos (bons e maus) que ocorrem em diversas partes do mundo.
Será então que há forma de obter o autoconhecimento sem o mundo exterior, seja ele perturbador ou enriquecedor? Parece-me que quase tudo o que percecionamos provém do mundo exterior. Só não provêm a nossa imaginação e o nosso pensamento crítico/reflexão, que podem, contudo, serem alimentadas por ele.
Fazendo uma analogia a Platão e à Alegoria Da Caverna, podemos assim referir que se não virmos o mundo exterior, tornamo-nos prisioneiros na nossa caverna, e que, enquanto lá permanecermos, o nosso único conhecimento baseia-se apenas numa vertente do conhecimento e não possuímos qualquer outro tipo de conhecimento para além da nossa própria sombra, ou seja, a projeção de nós próprios e do nosso pensamento. É então um conhecimento fragmentado. Após a saída da caverna para o mundo físico dá-se a descoberta para a verdade, que nos proporciona um conhecimento global e nos leva a ficar mais esclarecidos.
No seguimento deste pensamento alegórico, estabeleço uma relação direta entre ignorância-escuridão e sabedoria-luz.
Não poderá a cegueira interior originar diversos problemas éticos e morais relativamente a assuntos como a justiça e igualdade?
BLINDNESS – A CEGUEIRA
Irei basear a minha resposta a esta pergunta num filme do ano 2008, Blindness, do realizador brasileiro Fernando Meirelles. O argumento deste filme foi baseado na obra literária Ensaio sobre a Cegueira do escritor português José Saramago.
Comparo também desde já a leitura que faço da protagonista deste filme como uma personagem que à priori encarna o “véu da ignorância” de John Rawls: pode-se dizer que a protagonista (a única personagem que no filme não é invisual, logo, que vê) já saiu de si própria e não manifesta inclinações políticas, de nacionalidade, sexualidade, raça ou classes sociais. Podemos referir que a protagonista, tal como as teorias de John Rawls, pretendia a justiça, equidade e igualdade entre todas as populações presidiárias.
O filme Blindness coloca-nos inicialmente perante uma população mundial que está perto de ficar invisual, alvo de uma espécie de praga divina. De facto, esta praga (mais tarde purificada pela água da chuva) é uma consequência da cegueira interior (daí o título do filme). Esta sociedade que fica invisual espelha a nossa sociedade contemporânea que, devido à sua cegueira interior, origina diversos problemas éticos e morais presentes em várias áreas como a sua relação com a natureza, com a ciência, a justiça, a política, o consumo exagerado de bens materiais (materialismo), assim como o défice do sentido de comunidade baseado no individualismo.
A partir do momento em que a população mundial fica invisual (sem luz) todas as estruturas sociais definidas deixam de existir, ou seja, a hierarquização social pré-existente desmorona-se. Simultaneamente, a discriminação racial também desaparece, o que parece indicar que não seríamos racistas se fossemos invisuais: como não teríamos a capacidade de ver (fisicamente), não haveria distinção de cor da pele, o que provavelmente traria mais equidade e igualdade universal.
Com a hierarquização social desmoronada, também no filme os valores éticos e morais como a união, a bondade, a generosidade, a justiça, o amor, igualdade, entre outros, são postos em causa. A maldade, assim como o egoísmo e o oportunismo existem através das personagens que querem mandar, ter o poder e sobrepor-se hierarquicamente aos outros. Isto porque historicamente as relações do ser humano sempre se basearam na hierarquização através do poder e da força (o que é sinal de cegueira).
A invisualidade de toda a população no filme apresenta-se, no fundo, como uma hipótese
(após o confronto com a sociedade desmoronada) de tentativa de construção de uma nova sociedade, mais justa e equitativa, fundamentada em novos valores morais e éticos que são baseados na não discriminação, no respeito, no amor, e sem fronteiras de idade.
No filme, a população mundial começa novamente a recuperar a visão (física) a partir do momento em que começa a ver (interiormente). Se não conseguirmos ver, logicamente que não conseguiremos entender a causa dos problemas éticos e morais, e dos seus impactos no nosso quotidiano.
O que significa, então, ver?
Ver é perceber, entender e estar esclarecido. E saber é o caminho para ver, ou seja, é alcançar o maior conhecimento que esteja ao nosso alcance, e que nos faça pensar, refletir e tornar-nos conscientes. Ao vermos, podemos, como já referimos anteriormente, gerar, por exemplo, o bem-estar coletivo. Ver, é também ver para além das aparências e do superficial, e ter sempre presente o fundamental.
Dado que os seres humanos vêm apenas quando há a presença de luz (e a procuram tanto de noite como de dia) a palavra luz tornou-se também um símbolo de ver e esclarecimento. Ver interiormente é frequentemente associado a estar-se na luz e não na escuridão. Na língua Portuguesa, assim como em muitas outras, existem palavras que associam “ver” e “luz” como por exemplo “esclarecido”, “fez-se luz” ou ser-se “iluminado”. Existem também outras simbologias como a vela (que significa a consciência) ou a lâmpada (quando em banda desenhada uma personagem tem uma nova ideia). Esta simbologia está também presente em obras de arte, como na representação em pinturas da mitologia cristã (luz dos céus), na mitologia da Grécia com o mito de Prometeu (fogo) ou em Salvador Dali nos quadros “O Olho” ou “O Olho do Tempo”, e até em sociedades como a maçonaria, que utiliza o símbolo do olho e do sol em vários contextos.

Ver é, por isso, estar-se na luz. Mas ver é um processo difícil e que pode envolver, de certa forma - e até com algum humor – ser-se masoquista, pois implica o confronto de nos cruzarmos com os problemas para os superar. Então para que servirá este confronto?
O que será que queremos ver?
O que será que procuramos observar no nosso dia a dia? A resposta a esta pergunta difere muito de pessoa para pessoa e toda a gente partilha de opiniões diferentes. Podemos também dizer que existem pessoas boas e más, mas, não pretendendo discutir aqui esta classificação, eu penso que as pessoas que tiveram um início de vida equilibrado, com amor e felicidade querem ver, por um lado e idealmente (no futuro) a paz e construção, amor e felicidade, o bem comum, e, por outro (não ideal ou utópico e presente), querem ter a lucidez de ver a realidade atual. Ou seja, podemos também colocar a pergunta ao contrário e questionar o que não queremos ver (por exemplo, não queremos ver discriminação racial e sexual, guerra, destruição da natureza, fome entre outros).
Penso que o que queremos ver são boas ações, e nesse ponto corroboro as ideias do filósofo Stuart Mill. Mill defende a ética utilitarista, o que significa que as ações boas tendem a promover a felicidade no geral. Na minha perspetiva “ver” tende para o bem, ao contrário da cegueira/ignorância que tende para o mal. Logo, se virmos, tenderemos a promover o bem e, tal como Mill, produziremos a felicidade como um objetivo último e valioso. Assim, a felicidade é, penso, o que queremos ver.
O que é que os filósofos vêm que as outras pessoas não vêm?
No fundo, visto que os filósofos são pessoas que vivem no mesmo mundo que todos nós, o que será que eles vêm que nós (cidadãos comuns), não conseguimos ver? Para responder a esta questão terei que responder, no fundo, a três perguntas: o que vêm, como vêm e porque é que vêm. Terá alguma relação a ver com monges religiosos em clausura? Ou com filósofos como Mill, Rawls ou Platão que não se isolaram e ainda assim viram coisas que outras pessoas não viram (ou não viram tão cedo)? O que foi que escapou aos cidadãos comuns?
Os filósofos vêem principalmente as causas e consequências das coisas e vêem formas de as tentar resolver ou melhorar. Analisam e vêem também o potencial do ser humano e das ações humanas num contexto Histórico, englobando o passado, o presente, e propondo construir o futuro. A base de ser-se filósofo é o ceticismo, ou seja, a dúvida em relação a tudo (e principalmente à verdade) e a liberdade para pensar (Descartes).
Consequentemente, os filósofos vêem maioritariamente através do pensamento crítico (reflexão), da leitura e do conhecimento empírico do mundo, o que lhes permite obter conhecimentos mais profundos (esclarecimento). Fazem também suposições acerca de temas do quotidiano e da metafísica, desenvolvendo técnicas, sistemas e teorias que estruturam e organizam o seu pensamento. De facto, a razão porque vêem é porque se preocupam, são conscientes e conhecedores, e querem alcançar o bem-estar individual e coletivo. Considero ainda que são pessoas com necessidade de esclarecimento e que vêem a importância da produção do valor do pensamento filosófico para o desenvolvimento da humanidade. Por exemplo, para além das questões já abordadas da justiça, igualdade, racismo, discriminação, o pensamento filosófico é a base das leis, ou seja, do direito que regula o nosso quotidiano social e privado com vista a uma sociedade cada vez mais esclarecida.
A cegueira será voluntária ou involuntária?
Na minha perspetiva, a cegueira tanto pode ser voluntária como involuntária.
Eu creio que a cegueira é voluntária quando as pessoas têm as condições e oportunidades para saber, aprender, conhecer, e, porém, decidem não o fazer. Não culpo as pessoas por tomarem essa decisão, mas culpo-as pelas consequências que essa cegueira possa causar. Assim, a cegueira voluntária assume-se, para mim, como a ignorância consciente e deliberada.
Porém, a cegueira pode ser também involuntária, quando a desigualdade existente na nossa sociedade persiste e parte da população não tem acesso à educação e ao conhecimento. Por exemplo, quando alguém nasce num bairro desfavorecido, sem qualquer possibilidade de obter educação, dificilmente se importará com o conhecimento do Outro e do bem comum, pois o que tem mais relevância para ele, são as necessidades mais básicas, ou seja, questões relativas à sua própria saúde e bem-estar individual.
Referindo novamente a alegoria da caverna, quando o prisioneiro sai da caverna, ou seja, da escuridão e da ignorância para o caminho que conduz à luz e sabedoria, ao ver pela primeira vez o mundo físico, é-lhe apresentada a escolha de o continuar a ver ou voltar novamente para a caverna - ou seja, voltar para a escuridão sem conhecer o mundo que o rodeia. Penso que o mesmo acontece com as pessoas na nossa sociedade. Uma vez que temos a escolha de aproveitar ou desprezar a informação, afirmo que os que desprezam conscientemente a informação tornam-se assim ignorantes, incultos e cegos a tudo aquilo que os rodeia.
Será cego quem não pensa?
Para mim sim, pois o pensamento crítico e a reflexão produzem a tomada de consciência de nós próprios (ética e moral), e consequentemente das nossas ações e dos nossos comportamentos sociais.
Aproveito aqui para referir que o pensamento é comum a todos nós apesar do conhecimento poder ser adquirido de forma muito diversa: não pretendo de forma alguma afirmar que só a educação escolar e a literacia nos dão conhecimento. De facto, não poderá um simples pescador que pouco frequentou a escola e com pouca formação literária, pensar e ser mais sábio do que alguém doutorado? Por exemplo, o provérbio popular “depois da tempestade vem a bonança” pode ser facilmente transmitido como sabedoria de um pai pescador para a sua filha, não só porque este observa os fenómenos naturais, mas também porque reflete sobre eles e os compara com fases boas e más da vida quotidiana (neste caso estaríamos perante a obtenção do conhecimento empírico).
É, pois, cego quem não pensa, porque é cego quem não reflete sobre os conhecimentos adquiridos e por isso dificilmente se tornará mais sábio. Se a pessoa não pensa, o que irá ela ver para tornar o mundo num lugar melhor?
Será, então, cego quem não vê?
A partir do processo de análise e reflexão proposto pelas questões abordadas na procura da resposta a esta pergunta, a conclusão parece-me bastante clara; sim, é cego quem não vê. Observámos que o mundo físico pode ter simultaneamente uma função enriquecedora e perturbadora do conhecimento, e que, apesar de essencial, não dispensa a reflexão interior que leva ao esclarecimento. Semelhantemente, analisámos que a falta desse esclarecimento causaria diversos problemas éticos e morais - sintomas da cegueira - e que esta poderia ter uma origem tanto voluntária como involuntária. A visão tornou-se por isso sinónimo de consciência, conhecimento e luz, e percebemos como a atitude dos filósofos contribui não só para o desenvolvimento da mesma, como o ver contribui para a construção de um mundo melhor.
Finalmente vimos também como a reflexão crítica individual leva-nos a não ser cegos, e a termos mais consciência de nós próprios e da nossa relação com a sociedade.
E é neste ponto que eu penso que este ensaio se torna especialmente importante; o processo de apreender o conhecimento e refletir criticamente sobre ele – que nos leva a ver - está ao alcance de todos nós (pelo menos daqueles que tenham as devidas condições supramencionadas), e que, se todos fossemos um pouco filósofos o mundo poderia ser bem mais construtivo, possivelmente mais pacífico, e equitativo. Filosofar tem consequências práticas no nosso dia a dia. Existe até um filósofo contemporâneo que no seu livro Mais Platão, menos Prozac defende esta ideia (Lou Marinoff).
Como constatámos, é cego quem não vê, porque ver é estar esclarecido - o que mostra a importância de pensar, que produz o conhecimento interior. Na verdade, a cegueira é a ignorância, e esta é a causa de todos os males. Conclui-se que ver tende então para o bem individual, e simultaneamente para construirmos um mundo melhor.


Amadeo Modigliani
Considerações finais:
A cegueira significa não estarmos esclarecidos e, consequentemente, sermos ignorantes relativamente ao que nos rodeia, o que tem consequências. A cegueira é eliminada a partir do momento em que nos confrontamos e ultrapassamos os problemas mais profundos e, assim, poderemos resolver os problemas mais circunstanciais e até mediáticos do dia a dia. Deste modo alcançamos a visão, o esclarecimento e a sabedoria.
Relativamente aos objetivos previamente traçados ao longo deste trabalho, foram ocorrendo pequenas mudanças devido ao rumo do que tomei de modo a elevá-lo. Consegui alcançar e ampliar todos objetivos a que me tinha proposto pensar e refletir, e recorri a algumas fontes de pesquisa para complementar e melhorar o meu trabalho. Respondendo de um modo assertivo à questão de base deste trabalho: “Será cego quem não vê?”, uma vez que já temos o conhecimento da minha perspetiva sobre a ignorância e sabedoria, sustento que quem não vê é cego pois a cegueira é ignorância e a visão é sabedoria.
Considero que este trabalho se debruça sobre um tema pelo qual tenho grande interesse, principalmente devido ao facto de este estar presente no meu quotidiano. De facto, eu já planeava refletir e pensar mais acerca do mesmo. Porém, não planeava escrever os meus pensamentos. Tê-lo feito foi sem dúvida valioso para o meu desenvolvimento pessoal uma vez que eu não compreendia a causa de tantos problemas. Creio que este texto é uma mais-valia para o desenvolvimento de cada um, uma vez que é sobre um tema profundo, que exige reflexão e compreensão. Pode até mesmo alargar o conhecimento das pessoas acerca do que é, na verdade, ser-se cego. Contudo, uma vez que a base deste ensaio dependia maioritariamente do que me ocorria na mente, considero que os maiores problemas com que me deparei foram o tempo, ou seja, tive pouco tempo para aprofundar, exemplificar e fazer comparações, e a quantidade de perguntas que me iam ocorrendo e que eu gostaria de ter incluindo no trabalho, o que não foi possível devido a profundidade que cada uma suscita. Tive, pois, que selecionar a melhor abordagem e os tópicos a abordar.
Ao desenvolver este trabalho vi-me a fortalecer um pensamento mais crítico e profundo e a expor, escrever e, sobretudo, a confiar nos meus pensamentos. Desenvolvi ainda o meu vocabulário e coesão textual, e expandi, também, os meus conhecimentos através das minhas investigações. Gostei e diverti-me a realizar este trabalho (com um bocadinho de masoquismo, pois claro!), que me levou também a debater diferentes opiniões com outras pessoas, muito à maneira Socrática. Penso, portanto, que este trabalho teve um impacto muito positivo no meu desenvolvimento pessoal.
“Quando conhecer a sua alma, pintarei os seus olhos” Amadeo Modigliani
Inês Sá, nº11 11ºct3
Feedback qualitativo:
Introdução: *****
Desenvolvimento:****(+)
Considerações finais: *****
Inês Sá: Tema adequado; Imagens: Algumas sem legenda nem indicação da fonte de origem, com dimensões diferentes o que quebra a uniformidade do post; Estrutura assimétrica do ensaio baseado em questões e não em partes; Perspetiva pessoal e individual da autora que valoriza os saberes filosóficos apropriados; A argumentação é consistente embora existam questões que podem ser colocadas acerca da abordagem que faz em relação a alguns temas; Trabalho de elevada qualidade e que reflete a evolução cognitiva, emocional e pessoal da autora; Continuo a considerar que um texto corrido tem mais consistência para quem lê e dava uma maior uniformidade ao ensaio. MAS respeito a decisão da autora. [Carlos Gaspar]
Tema intrigante e com muito potencial. Apesar de serem evidentes ideias pessoais e de haver uma apropriação do conteúdo dos exemplos citados, o discurso é acessível ao leitor comum e está centrado no assunto principal, sem nunca descorar de possíveis ramificações para outros domínios.
Falta uma exploração de contra-argumentos, de modo a desenvolver respostas que reforcem a tese defendida. A nível gramatical, são notáveis algumas lacunas na pontuação, incorreções ortográficas e repetição de vocábulos, quando estes podem ser substituídos por sinónimos, pronomes, ou podem ser submetidos, em determinados contextos, à omissão.
De uma maneira geral, o balanço é bastante positivo e ficamos expectantes pelo desfecho do ensaio filosófico.
Carolina Rodrigues Nº4
Daniel Gonçalves Nº7
11ºCT3
20/03/2021