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Creches e jardins de infância: tristes primeiras casas

Atualizado: 26 de abr. de 2021

Introdução


Lamento o facto de integrar uma sociedade na qual as pessoas, para alcançarem as metas propostas por terceiros e pela pressão social tão própria do século XXI, ou emudecem, deliberadamente, as suas inclinações e os seus objetivos pessoais ou, na hipótese mais comum e lamentável, até já os desconhecem por completo. Seja qual for a situação em que se encontrem, é certo que tenho assistido ao desinteresse mostrado pelas pessoas em relação a matérias tão naturais como terem filhos, biológicos ou adotados. Mais do que isto, é evidente a crescente "desafeição" entre pais e filhos, a qual se julga natural, se em proporções moderadas, quando os últimos atingem determinadas fases das suas vidas, mas pressupõe (ou deveria pressupor) uma compensação sob a forma de enlevo e amparo que convém ter lugar nos primeiros anos de vida de um ser humano.

Em análise à vulgarização das inscrições de bebés e crianças em creches e jardins de infância, respetivamente, e à consequente relegação, a tais instituições, dos deveres parentais, que encerram todas as formas de assistência que uma criança requer, considero que seja justo questionar se ainda são valorizados os poucos anos em que os pais se deparam com a possibilidade de se absorverem nos filhos, numa tentativa de conhecê-los.

A associação entre a estandardizada obliteração da importância de as primeiras aprendizagens e recordações de uma criança terem lugar num ambiente caseiro, o qual se deve revelar o cenário privilegiado para o salutar desenvolvimento humano, ao mesmo tempo que contribuir para a solidez do núcleo familiar; e o instinto protetor dos pais, que os tenta a uma sensação desgostosa, porém volátil, no momento de deixar os filhos num ambiente que não se pauta por afetos, desmascara o ato de colocar um filho numa creche ou num jardim de infância, reduzindo-o aos seus contornos egoístas, animados pela irreflexão e pelo desapego intrínsecos ao quotidiano acelerado que a atualidade tenta instituir.

Talvez o tic-tac social me mostre que já não vou a tempo, mas tentarei escrever um ensaio que levante a importância de atrasar a entrada do ser humano numa espiral de esgotamento físico e emocional a que chamamos “vida”.



Quadro de Referência Teórico:


Foi Friedrich Fröbel quem, em 1840, na cidade de Blankenburg, inaugurou o primeiro jardim de infância.

Friedrich Fröbel

Um estabelecimento que se incumbia de receber, durante poucas horas do dia, crianças com menos de sete anos – idade que, na altura, sinalizava o ingresso na vida escolar. Nesta instituição, os procedimentos adotados pelos educadores orientavam-se segundo a convicção de Fröbel de que, durante a infância, era muito proveitosa uma aprendizagem que tocasse aspetos relacionados não só com a aquisição de conhecimento, precursora de erudição, mas também com a sensibilidade estética das crianças e com a estimulação do seu interesse pela natureza. A dinâmica inerente à veiculação das três vertentes a explorar no universo infantil assentava num princípio que traçava a importância de uma educação pautada pela descontração e pelo reconhecimento dos interesses pessoais demonstrados por cada criança.

Ao longo dos cerca de dois séculos que passaram desde a fundação do primeiro jardim de infância, na Alemanha, os países de todo o mundo presenciaram a proliferação destes estabelecimentos de educação. Em Portugal, para além de jardins de infância, os quais aceitam crianças dos três aos seis anos de idade, também as creches conquistaram a confiança dos pais portugueses, assumindo-se como a segunda casa da maioria dos bebés que, dos quatro meses aos três anos de vida, se veem impossibilitados de permanecer em casa junto dos seus pais.

Poder-se-á entender esta realidade como o resultado do sucesso da filosofia de Friedrich Fröbel relativamente ao modo mais indicado para lidar com uma criança, ficando assim justificada a adesão dos pais a entregarem os seus filhos aos cuidados de creches e jardins de infância pelo interesse em cultivar o seu desenvolvimento intelectual. Acontece que, se tentarmos reconstituir, com maior profundidade, o conjunto de acontecimentos que nos traz até este ponto, percebemos que, enquanto que no século XIX as crianças inscritas em creches e jardins de infância pertenciam a uma elite circunscrita aos filhos de casais preocupados com a instrução dos mais pequenos, no século XXI as crianças inscritas nestas mesmas instituições não são filhas de nenhuma elite, porque os seus pais podem ser (e são) quaisquer pessoas não propriamente empenhadas em ver numa creche o espaço onde a sua descendência vai adquirir conhecimentos basilares para a sua formação enquanto indivíduos que integram uma sociedade, mas antes empenhadas em ver numa creche o espaço onde a sua descendência pode ficar, durante o dia, já que a supervisão a ser-lhe prestada, neste período de horas, não pode ser coberta pela disponibilidade no desempenho do papel de pais enquanto responsáveis pelo desenvolvimento salutar dos seus filhos.

Se as creches e jardins de infância puderam, outrora, autoproclamar-se estabelecimentos que se destinavam à estimulação das capacidades cognitivas e psicomotoras das crianças, o que aliciava os pais mais dedicados ao potencial dos filhos, hoje em dia as mesmas instituições podem autonomear-se, no máximo, estabelecimentos muito preparados para manter as crianças ocupadas durante o tempo em que os pais faltam, pelos mais variados motivos (e ainda que durante um curto período de tempo, todos os dias úteis), à responsabilidade que o título que receberam quando viram os seus filhos pela primeira vez acarreta. Assim, os pais que tentam convencer-se de que os seus filhos frequentam creches e/ou ensino pré-escolar porque “estes são fundamentais para o desenvolvimento de uma criança” estão, ou imobilizados no século XIX, não percebendo a evolução do propósito das creches e jardins de infância, ou a ser muito bem envolvidos pelo século XXI e as promessas que este traz. Os pais que se inserem no segundo caso apresentado, e que constituem a maioria da comunidade de pessoas com filhos, devem querer ser já advertidos para o facto de as mudanças, unanimemente consideradas positivas, que o século XXI tem sido capaz de oferecer, não serem gratuitas. Todas as pessoas desmesuradamente absortas nas ofertas do século vigente hão de retribuir a plataforma idílica que pisam e consentem que as afaste, com subtileza, dos locais onde moram os seus sentimentos mais puros, as suas memórias e as suas referências. Em troca de reviravoltas nas suas vidas, estas pessoas não veem nos sentimentos um obstáculo aos passos silenciosos da mudança e, por isto, não lhes resta opção senão ficarem inutilmente petrificadas na contemplação do seu rasto demolidor, mas que não deixa de ser, contudo, atraente; e esta contemplação tende a mudar mentalidades, inverter prioridades e desgastar física e mentalmente as pessoas afetadas.


A influência da sociedade na consciência individual

Não é de estranhar, então, que a vulgarização das inscrições de crianças em creches e jardins de infância seja explicada a partir das muitas contemplações, por parte de muitos pais, de oportunidades que abrem portas ao estilo de vida mais apreciado pela sociedade atual, o qual implica a formação de uma família, a maturação de uma carreira profissional e, ao mesmo tempo, a satisfação de algumas extravagâncias.

Como a formação e educação de uma família deve pressupor o entendimento de que as experiências vivenciadas nos primeiros anos de vida de uma criança vão ser determinantes para o seu desenvolvimento e formação cívica, deveriam estabelecer-se prioridades, na vida dos pais, que visassem garantir, aos seus filhos, uma primeira infância onusta de aprendizagens, memórias positivas e naturalidade de ações, isto é, uma primeira infância que, sem exigir a imposição de rotinas pouco flexíveis, conseguisse manter um nível equilibrado de instrução orientada a uma pessoa em formação.

Contributo da atualidade para a rejeição dos filhos como prioridade

Mas isto raramente acontece, assistindo-se, cada vez mais, a uma demonstração de indisponibilidade, por parte dos pais, no que concerne à atribuição de infâncias semelhantes à descrita acima, e que pode ser explicada através da capacidade que as vidas aceleradas têm de corroer a afeição que os pais sentem pelos filhos.

Sendo que é a partir da presença dos pais que as crianças constroem uma sensação de amparo e segurança, e uma vez que esta sensação é crucial para uma aprendizagem e desenvolvimento plenos, verifica-se a incontestabilidade da importância dos pais nos primeiros anos de vida de um filho. Deste modo, uma criança que passe os seus primeiros anos de vida em locais que não sejam a sua casa, e longe dos seus pais, não se sentirá totalmente amparada a nível físico e emocional e, consequentemente, verá a sua capacidade de apropriação de conhecimentos menos apurada do que veria se passasse esses mesmos primeiros anos em casa, junto da família nuclear. Para além disto, o intervalo de anos que compreende a possibilidade de uma vida isenta de inquietações começa no nascimento e termina aos cinco anos, no mínimo, porque esta é a idade que marca o ingresso no ensino primário, pelo que, se for vontade dos pais que os seus filhos não frequentem nem creches nem o ensino pré-escolar, então a obediência a regras rígidas fixadas fora do seio familiar é passível de ser adiada, o que permite à criança uma primeira infância menos turbulenta. Perante o facto de a educação pré-escolar ser facultativa, a hipótese de os primeiros cinco anos de vida de uma pessoa serem desprovidos de desassossego fica limitada à vontade e esforço dos seus progenitores, pelo que se podem justificar muitas inscrições em creches e jardins de infância como uma forma de puro egoísmo, algumas vezes fruto da imprudência subjacente ao desejo de se constituir uma família e, outras vezes, fruto da priorização de uma carreira profissional inconciliável com a vontade de acompanhar de perto aqueles que são os anos mais decisivos para a formação de uma nova pessoa.

Importará referenciar, agora, os casos em que alguns pais se debatem com a impossibilidade, por terem de

Compromissos que conseguem cercar, por completo, o desejo de se ser um pai presente

trabalhar para garantir a subsistência da família, de animarem a sua convicção de que o melhor para os seus filhos pequenos é ficarem em casa junto deles. Para estes casos, muito comuns, e também para aqueles que assumem contornos semelhantes no desfecho, mas envolvem famílias monoparentais, os dois estabelecimentos de educação apontados neste trabalho parecem ser a única solução encontrada para um problema que compromete o equilíbrio entre a organização financeira e familiar. Ao apresentar-se esta realidade à discussão, países como o Canadá, a Bósnia, a Alemanha, a Sérvia, a Dinamarca e a Croácia aparecem como referências para Portugal, na medida em que atribuem licenças de maternidade por um período de um ano, o que é muito superior aos quatro meses oferecidos às mães portuguesas, e demonstram, por essa razão, uma maior preocupação relativamente não só às vantagens de um vínculo forte entre pais e filhos, mas também à importância de resguardar um bebé de algumas doenças que podem ser contraídas em creches e jardins de infância (herpes simples, conjuntivite, candidíase oral e ocular, gastroenterite, laringite, gripes). Apesar de não cobrirem os cinco anos desejáveis, medidas como esta alimentam o espírito crítico daqueles que já são pais (e daqueles que ainda não são, mas desejam ser) e promovem o seu despertar para a vulnerabilidade física das crianças, a qual deve ser tida em consideração no momento de decidir, ou não, entregá-las aos cuidados de terceiros.

É normal que a decisão de ficar com um filho em casa até que este complete cinco anos envolva algum sacrifício, já que, muitas vezes, ocasiona a relegação de aspirações profissionais, e deve, por isto, ser vista como uma decisão altruísta que não procura senão o bem-estar das crianças e a verdadeira entrega às responsabilidades parentais. Consequentemente, e porque a educação também é importante, os primeiros cinco anos de vida passados em casa não devem significar uma ineficiente estimulação das capacidades de aprendizagem de uma criança, assim como não devem estar na origem de uma deficiente comunicação e interação com outras crianças e/ou adultos que não pertençam à família nuclear, ficando a cargo dos pais a tarefa de incentivar as capacidades intelectuais dos seus filhos.



Considerações finais


O trabalho em apreço teve como tema central “as inscrições de crianças em creches e jardins de infância”, pelo que se procurou, fundamentalmente, esclarecer e contextualizar os motivos pelos quais a decisão de ficar com os filhos em casa, nos seus primeiros cinco anos de vida, tem sido, ao longo do tempo, preterida pela decisão de matriculá-los nos estabelecimentos de educação supracitados.

O tratamento do tema do ensaio pressupôs o estabelecimento de quatro objetivos principais: esclarecimento da evolução do propósito dos jardins de infância; determinação dos aspetos pessoais e sociais que aliciam os pais a não optarem pelo ensino pré-escolar em casa; demonstração da importância da presença parental assídua durante a primeira infância; alusão à forma de vida acelerada que é, atualmente, privilegiada na sociedade portuguesa e à possibilidade de resguardar as crianças desta realidade pouco saudável. Do primeiro objetivo concluiu-se que os jardins de infância (e creches, por conseguinte) sofreram uma acentuada desconsideração relativamente à sua capacidade educativa, passando a serem locais destinados à supervisão das crianças aquando da ausência dos pais, justificada por motivos profissionais necessários (subsistência), opcionais (manutenção de carreira) ou, ainda, por motivos pessoais (convicção de que as creches promovem o desenvolvimento intelectual dos seus filhos) – segundo objetivo elencado.


O sentimento de segurança nas crianças requer a presença dos pais

O terceiro objetivo foi, de igual modo, alcançado e permitiu a constatação que os pais desempenham um papel de tal forma crucial no sentimento de segurança de um filho, o qual é necessário a uma aprendizagem sólida, que a frequência de creches não apresenta benefícios de índole apreciável no desenvolvimento intelectual dos mais pequenos. Finalmente, foi possível estabelecer que a primeira infância passada em casa e junto dos pais protela o começo de um inevitável quotidiano fatigante.

A abordagem a uma temática muito atual, mas pouco discutida pelas pessoas, especialmente pelos jovens, pode ser entendida como uma característica proveitosa do trabalho. Ainda, uma vez que a atualidade é marcada pela celeridade das ações e pelo pensamento direcionado a experiências que só se concretizarão no futuro, tornou-se útil a seleção de uma matéria que pretende advertir o leitor não só para o estado das suas prioridades como também para a fragilidade do tempo. Em contrapartida, pelo facto de o tema central ser pouco debatido, o trabalho foi elaborado, na sua quase totalidade, sem o apoio de dados informativos, o que pode ter diminuído a qualidade do seu conteúdo.

Com a realização deste ensaio, pude usufruir de longos momentos de reflexão nos quais, tendo aplicado toda a minha maturidade, hierarquizei algumas prioridades de vida previamente estipuladas, coloquei outras em perspetiva e tentei relacioná-las com as prioridades assumidas pela sociedade à qual pertenço. Para além disso, devo identificar que a composição do projeto exigiu, da minha parte, a compreensão e tolerância necessárias à validação de situações reais que, apesar de não coincidirem com a tese defendida, merecem entendimento. Posso, então, concluir o trabalho com alguma satisfação.

“Para estar nas memórias dos seus filhos amanhã, tem de estar presente nas suas vidas hoje.” – Barbara Johnson.



Feedback qualitativo:

Introdução: *****

QRT: *****

Considerações Finais: *****


 
 
 

2 Comments


Turma 11CT3
Turma 11CT3
Jun 09, 2021

Lúcia Ginapo: Texto claro, coerente e objetivo; com os princípios bem definidos desde o início e mesmo a tese que é defendida surge implícita no texto desde a primeira hora; O ensaio revela uma preocupação individual (emocional) que é acompanhado por uma perspetiva crítica muito vincada; Por vezes, a centralidade na tese defendida deixa de fora um sentido crítico que deveria ser mais amplo e dar a possibilidade de surgirem outras perspetivas acerca do tema; As imagens são apropriadas, estão legendadas mas não estão numeradas; Não se evidenciam erros de formação, ortografia ou formalização do post; Não obstante o interesse e pertinência do tema, fica por consolidar uma ligação/relação mais clara com a filosofia e os conteúdos filosóficos trabalhados. Seri…

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nunopinacastro4
Mar 22, 2021

Comentário de Liliana Baleizão e Nuno Castro: Antes de mais queremos mencionar que este foi um dos temas que temos vindo a acompanhar a sua evolução. Queremos ainda felicitar pela escolha do tema, embora não nos ter desperto muita relevância, talvez por não ser um tema muito debatido atualmente, pensamos que terá sido uma boa iniciativa. A nosso ver a introdução está muito bem estruturada, apesar de demonstrar muito subtilmente a tua posição/opinião face ao tema. A fundamentação teórica, foi muito bem concebida o que nos suscitou diversos pontos de vista, contudo pensamos que a linguagem utilizada não seja a mais acessível, tendo em conta que nem todos os visualizadores conseguem alcançar tanta variabilidade de vocábulos. Tendo em conta o que…

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