Justiça - Punição
- Tiago Neves
- 19 de fev. de 2021
- 10 min de leitura
Atualizado: 26 de abr. de 2021
Introdução:
A justiça é um conceito em envolve um elevado grau de subjetividade e que se refere a um estado ideal de interação na comunidade em que há um equilíbrio imparcial entre os interesses, riqueza e oportunidades numa sociedade. Trata-se de um termo presente no estudo do direito, filosofia, ética, moral e religião. As suas aplicações práticas variam de acordo com o contexto social e a perspetiva de quem interpreta, sendo muitas vezes alvo de controvérsias entre os pensadores.
A questão que venho abordar prende-se com a aplicação da justiça na sociedade perante os condenados e sentenciados e as assimetrias que, frequentemente, se observam na sua execução. Por exemplo, o facto de um cidadão comum cometer homicídio e ser sentenciado com 8 a 16 anos de prisão é algo que dá que falar. Uma das conjeturas na discussão da justiça é a posição do pensador, e este problema cria vários lados que se podem defender. Porém, existem dois lados que se opõem, o lado dos entes do assassino e o dos familiares e amigos da vítima. E é a partir deste dualismo que vou criar a minha tese.
A escolha deste tema, para discutir, baseou-se na quantidade de pessoas injustiçadas que vemos nas redes sociais e na televisão, e isso sempre me fez muita perplexidade. A abolição da pena de morte em muitos países pareceu-me sempre minimamente plausível, mas, com o crescimento cognitivo, com a aquisição de novos princípios e desenvolvimento da minha ética fui começando a questionar esta abolição. Comecei a aperceber-me que a cadeia, em muitos dos casos, não era solução, e que, sinceramente, a cadeia não era uma grande solução para qualquer crime de alto risco. Condenar um assaltante de loja com a mesma pena que um assassino, apenas diferenciando tempo sempre me fez comichão. Mas na outra mão temos países que aplicam pena de morte a criminosos com feitos totalmente diferentes do homicídio. Temos como exemplo Marco Archer que foi condenado a pena de morte em 2005 por entrar na Indonésia com cocaína. Com este ensaio pretendo defender a pena de morte, mas colocar-lhe limites, pois como já vimos, existem várias aplicações da sentença, e algumas delas não acompanham a ética. Através dessa diferenciação ética entre as aplicações da pena de morte, vou desmanchá-las e ver o que realmente está correto. O objetivo será tentar encontrar as situações onde a pena de morte e a ética consigam dançar juntas.
Quadro de Referência Teórico
Colocando-nos na posição dos familiares e amigos da vítima, pensaríamos absurdo apenas uma punição de 8 anos pelo ato horrível de tirar uma vida deste mundo. Vendo bem não é uma ideia errada. Numa primeira perspetiva de alguém que está de fora, seria pouco uma punição de 8 anos como presidiário. Na verdade, provavelmente não adiantaria nada, pois a convivência com mais 200 indivíduos que partilham de ideais e formas de pensar similares à do assassino, apenas lhe traria mais experiência para lidar com criminosos e até talvez inspirações para futuros planos. Não obstante os estabelecimentos prisionais contemplarem a reintegração social e a (re)educação, sabemos que não é um edifício cheio de criminosos que vai fazer alguém refletir e repensar os seus atos. Assim que o assassino sair da prisão facilmente terá a tendência, caso a seu comportamento ético e moral não se alterem, para voltar à vida que já levava antes. E é aqui que se centra o problema: Será a prisão efetiva uma boa sentença? Será a pena de morte a melhor opção? Ou será a tortura e humilhação mais eficaz para a mudança de mentalidade?
Vida por vida, seria a opção que faria mais sentido na cabeça de alguém que acaba de perder um pai ou um filho. É certo que todos possuímos livre-arbítrio e que somos livres ao ponto de podermos tirar a vida a alguém, e dado esse feito, sermos "punidos" com uma estadia num edifício com mais 200 indivíduos com consciências similares à nossa. Não digo que a vida na prisão seja fácil, mas para um criminoso vulgar é fácil adaptar-se ao clima da reclusão. Um exemplo claro são os casos de sucessivas reincidências e (re)entradas na prisão. O que mostra que a passagem pelos estabelecimentos prisionais não é corretivo o suficiente para evitar o retorno. O prisioneiro tem cama, refeições, chuveiro, casa de banho e ainda espaço ao ar livre. Direitos garantidos pelo Estado e pela sociedade e basta não apresentar mau comportamento, para não acabar na solitária, e ter uma vida que se torna fácil. Passado 8 anos e/ou depois de cumpridos 2/3 da pena de prisão efetiva, está cá fora novamente ainda que sem liberdade definitiva, sem marcas da "punição", e possivelmente com menos regalias do que tinha na cadeia. A probabilidade de voltar a matar para voltar à vida a que se tinha acostumado não é baixa. No final das contas, perdeu-se uma vida e o culpado é mal punido, de maneira que não reflete sobre os atos e não melhora enquanto pessoa. Não é justo, este tipo de punição não é adequado nem suficiente para compensar uma vida que se perdeu nem para (possivelmente) evitar outras vidas que se possam vir a perder, e apenas nos conduz para uma sociedade repleta de criminalidade.
O único ponto positivo da cadeia é o facto de podermos "armazenar" e controlar (pelo menos no que refere à atividade criminosa mais visível) todos os criminosos que foram apanhados, e assim a taxa de criminosos nas ruas é muito menor, aumentando também os níveis de segurança social. Assim, pensamos logo na pena de morte como punição suprema. É justo, vida por vida, tiraste uma vida e agora tiramos te a tua? Não há emenda nem modo de corrigir um assassinato e aplicando esta pena apenas estamos a seguir o velho ditado: "Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti ". É o equilíbrio perfeito, o ying e o yang, matas e agora morres, simples não é? Menos uma mente criminosa à solta. A execução é justificada porque corresponde à maldade ou injustiça do assassinato, isto é, é uma punição proporcional ao assassinato. Como a proporcionalidade é estabelecida? Os princípios bíblicos do “olho por olho, dente por dente” estabelecem isso. Sendo que o assassinado impede a vítima de ter quaisquer experiências valiosas, enquanto que os assassinos são punidos muito levemente podendo desfrutar ainda a vida que a prisão permite. A existência contínua destes malfeitores mancha moralmente a sociedade gastando recursos com eles, e a sociedade assume assim a responsabilidade destes atos. A execução de assassinos produz melhores consequências sociais gerais do que não fazê-lo. O senso comum sugere que o medo de ser executado impede que assassinos cometam assassinatos. A pena de morte visa impedir que infratores específicos reincidam: alguns assassinos podem ser tão perigosos que apenas a morte garante que eles não matarão novamente.
Esta punição é bastante visível na Ásia, principalmente no lado oriental, destacando-se muito 2 países: República Popular da China e Coreia do Norte. O primeiro denota-se por ser o com mais casos, tendo em 2013 contado com mias de 2400 mortes pela justiça. Já a Coreia do Norte destaca-se pelo facto de não possuir um dado oficial revelado, o que à partida deixa a Coreia numa má posição, tendo ela já a fama que tem. Apesar de tudo, os 5 primeiros países com mais casos são asiáticos, vindo os EUA em 6º.
Existem exatamente 28 métodos de aplicar a pena de morte, entres os quais a clássica guilhotina, o desmembramento e a mais comum atualmente, a eletrocussão numa cadeira elétrica. Em maior parte dos países temos um caso de aplicação comum, o homicídio. Existem também países que apenas aplicam em casos excecionais como crimes em tempos de guerra.
Um caso injusto e marcante envolvendo a aplicação da pena de morte ocorreu no dia 21 de setembro de 2011. Naquele dia, às 23h08min, no horário de Nova Iorque, um homem negro chamado Troy Davis foi executado nos EUA, através de injeção letal, por um crime em que sua autoria não foi conclusivamente provada durante todo o processo judicial em que foi proferida sua sentença de morte. Troy Davis foi acusado, processado, julgado e considerado culpado, por ter, supostamente, morto Mark McPhail, um polícia, em 1989, no momento em que este ajudava um sem-teto que estava a ser atacado. Ao longo dos anos em que Troy Davis permaneceu preso, aguardando sua execução, a sua defesa demonstrou que a arma utilizada no crime nunca foi encontrada. Somando a isso, as notícias dão conta que, das nove testemunhas que ajudaram a condená-lo, sete voltaram atrás em seus depoimentos, afirmando que na época em que os prestaram foram persuadidas pela polícia a testemunhar contra Troy, provavelmente em razão da pressão corporativista da polícia e do desejo irracional de se encontrar um culpado, em nome da tão proclamada segurança jurídica que, ao que parece, deve ser absoluta e inabalável em solo americano. Nada obstante, ainda que Troy Davis estivesse protegido pelo manto da presunção de inocência, bem como pelo benefício da dúvida, devido a ausência de provas que o condenassem, devido às inúmeras manifestações a seu favor ao redor do mundo; manifestações de peso, destaque-se, como a do Bispo Desmond Tutu, do ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, do Papa Bento XVI, da Anistia Internacional, enfim, de uma verdadeira massa composta por personalidades notórias e cidadãos de todas as etnias, solidários a Troy Davis, ainda assim sua execução foi levada a efeito.
Vamos considerar algumas objeções aos argumentos acima. O retributivismo “olho por olho, dente por dente” parece exigir punições imorais, como violar violadores ou torturar torturadores. Às vezes, a pena de morte é considerada desproporcionalmente severa, porque os assassinos sofrem com o tempo de prisão, com o conhecimento da data da execução e com a perda de vidas, enquanto as vítimas de assassinato apenas perdem a vida. Mais frequentemente, os críticos argumentam que a vida na prisão, a sentença mais longa possível, é tão proporcional quanto à execução e menos moralmente controversa. Os pensadores presumem que a execução é mais “convincente” do que a prisão, pois geralmente temos mais medo de perder a vida do que perder a liberdade. Porém, os pesquisadores não encontraram dados que mostrem que a pena de morte impede mais pessoas de serem assassinadas que a prisão. A execução deve impedir o assassinato melhor do que a prisão, para que os seus custos sejam justificados. Os pensadores contra a pena de morte argumentam que a execução viola o inviolável direito à vida dos assassinos. Os defensores da pena de morte respondem que os infratores perdem o seu direito à vida por cometer homicídio. E afirmações de um direito absoluto à vida têm a consequência da proibição de matar em legítima defesa.
Os argumentos de alguns pensadores contra a pena de morte concentram-se em qualquer capacidade humana básica, por exemplo racionalidade, que dê dignidade, em virtude da qual as pessoas devem ser respeitadas. Ações que violam a dignidade, como tortura, são facilmente condenadas. Os contra a pena de morte argumentam que, devido à execução destruir a capacidade de dignidade, esta punição violará a dignidade e, portanto, é imoral.
Os defensores da pena de morte questionam se a eliminação da condição de algum recurso realmente ofende esse recurso: por exemplo, matar pessoas aniquila sua capacidade de praticar a religião, mas é estranho caracterizar a execução como uma violação da liberdade religiosa.
Um padrão nesta sentença mortal é que aqueles que assassinam pessoas brancas são mais propensos a serem condenados à morte do que aqueles que assassinam pessoas negras. Pode parecer profundamente injusto, se não racista, que a probabilidade de uma sentença de morte dependa de fatores raciais.
Os defensores da pena de morte respondem insistindo que o que um assassino individual merece, não é afetado pela maneira como outros assassinos são tratados. Eles acrescentam que arbitrariedade e discriminação são razões para reformar, não abolir, os procedimentos de sentença. Uma objeção à pena de morte é que ela permite punir as pessoas por ações que não realizaram. Muitos acreditam que apenas os culpados de atos criminosos devem ser punidos. Mas as teorias poderiam permitir a execução de inocentes: se a execução de uma pessoa inocente impedir futuros assassinatos e as autoridades pudessem manter sua inocência em segredo, os benefícios superariam plausivelmente os custos. E as teorias punem os infratores pelo que eles podem fazer no futuro, e não por quaisquer erros realmente cometidos.
Se alguém é executado de maneira errada, seja por ser inocente ou estar sujeito a injustiça processual no julgamento, não há como corrigir o erro. Alguns pensadores contra argumentam que, como um Estado justo é obrigado a desfazer seus graves erros, não deve impor punições irrevogáveis como a pena de morte.
Na sua Metafísica dos Costumes, Kant trata do direito de punir em geral e da pena de morte em especial. Kant define o direito de punir como o direito do soberano de infligir castigo ao súdito que cometeu um delito. Define crime como a infração de lei pública que incapacita a ser cidadão. Distingue os crimes em privados e públicos, conforme seja a pessoa individual ou a comunidade que o crime ponha em perigo. Distingue ainda os crimes públicos em crimes de índole abjeta (que não envolvem violência) e crime de índole violenta (que envolvem). A definição do direito de punir tem em vista três objetivos: excluir a ideia de punição do soberano (o qual não pode ser punido, mas apenas retirado de seu cargo), excluir a ideia de punição do súdito por outro súdito e vincular o castigo como reação/consequência ao delito como ação/causa.
Considerações Finais
A pena de morte é uma faca de dois gumes, dois gumes bem afiados, pois qualquer um deles deixa marcas e cicatrizes na sociedade. Mas, após todos os prós e contras, considero a pena de morte mais eficaz, mas muito mais perigosa, pois não podemos emendar um inocente punido desta maneira. Os objetivos traçados neste ensaio foram parcialmente alcançados, tendo superados os que diziam respeito à argumentação. Porém, mas gostava de ter desenvolvido melhor o aplicação da pena de morte e as suas consequências na sociedade. Limitado pelo tempo e pela falta de experiência não alcancei todos os objetivos. Apesar disso este tema é bastante estudado, resultado num grande potencial de argumentação que atingi nas pesquisas. Juntando ao facto de me colocar numa posição que não é comum e apresentar várias situações que faz pensar sobre este tema, torna o meu trabalho mais apelativo e único. As rápida aplicações dos argumentos apresentados faz com que o leitor entre na ação e assista a cena de perto, ganhando um sentido crítico muito melhor, e tendo assim um melhor campo de visão do assunto faz com que o leitor aplique muito ,melhor os seus próprios princípios quando deparado com estas ocasiões. Através deste projeto abri muito mais a mente a estas formas de julgar pessoas e os seus comportamentos. Alarguei bastante o conhecimento sobre o assunto e consegui entender melhor o lado que se opõe ao que defendo. Sinto também que melhorei a capacidade de argumentação devido a quantidade de estudiosos do assunto que vi e pesquisei. Em suma, foi extremamente satisfatório a realização deste ensaio, onde estiquei o meu campo cognitivo a terras onde nunca pensei alcançar. “Os homens hesitam menos em ofender quem se faz amar do que em ofender quem se faz temer; porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação que, por serem os homens pérfidos, é rompido por qualquer ocasião em benefício próprio; mas o temor é mantido por um medo de punição que não abandona jamais.”
Nicolau Maquiavel
Tiago Neves 11ºCT3

Feedback qualitativo:
Introdução: ***
QRT: ****
Considerações Finais: ****
Tiago Neves: tema muito interessante e de fácil contextualização filosófica; Texto claro mas que poderia ter sido mais trabalhado evitando-se, por exemplo, expressões da linguagem comum; Faltam imagens que pudessem servir de alicerce para o trabalho; A posição defendida está presente ao longo de todo o texto, mas penso que poderia ter sido consolidada com argumentos mais consistentes; Faz uma aplicação nem sempre muito rigorosa dos conceitos filosóficos; Pena não ter havido uma exploração maior do tema sob o ponto de vista filosófico. [Carlos Gaspar]
Texto interessante e bem estruturado com uma boa fundamentação teórica, que contribui para o enriquecimento do mesmo. Apresenta, também, um bom contraste entre o que está "certo" e "errado" apresentando argumento sólidos para sustentar cada uma das posições, no entanto, apresenta algumas incorreções textuais que devem ser corrigidas.
Tema interessante e bem desenvolvido. É notável a ótima abordagem apresentada ao longo do texto, transmitindo sempre a importante ideia que não existe uma resposta completamente correta para esta questão. Argumentos bem fundamentados e o ensaio possui uma boa linha de pensamento. Apesar de existirem algumas possíveis alterações textuais, o texto encontra-se bem redigido. É notável a falta de exemplos em algumas partes do texto apesar de não serem estritamente necessárias.
De um modo geral, o ensaio está bem redigido e fundamentado apenas necessitando de mais exemplos para a sua conclusão.